quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Títulos de Crédito (cheque, letra e livrança)

Títulos de Crédito (cheque, letra e livrança)
O crédito consiste, essencialmente, na troca
de uma prestação presente por uma
prestação futura, ou seja, pressupõe o
diferimento no tempo de uma
contraprestação.
O conceito de crédito comporta dois
elementos básicos:
i) a confiança do credor na honestidade e
solvabilidade do devedor, isto é, na sua
aptidão moral e patrimonial para cumprir a
obrigação a que está adstrito no prazo
concedido ou, pelo menos, o valor das
garantias (pessoais ou reais) constituídas
pelo devedor para assegurar a efectivação
da prestação a que se obrigou;
ii) o decurso do tempo entre a prestação
actual do credor e a prestação futura do
devedor, normalmente fixado por um certo
prazo.
Os títulos de crédito destinam-se a assegurar
a circulação da riqueza e a concessão do
crédito de modo mais simples, mais rápido e
mais seguro. Isto porque tem vindo a tornarse
usual a utilização do próprio título de
crédito para efectuar pagamentos,
inscrevendo neles novas e sucessivas ordens
de pagamento a favor de outros
destinatários.
O direito que está ínsito no título de crédito é
designado no nosso sistema por direito
cartular, uma vez que há uma incorporação
expressa, uma conexão directa entre tal
documento e o direito de que se é titular.
O título de crédito tem uma eficácia que
ultrapassa a da mera constituição do direito
ao título: adere permanentemente ao direito,
de modo tal que aquele é indispensável para
que o direito possa ser exercido e
transmitido, ou seja, para que o seu titular
possa dispor dele.
Como já foi referido, a confiança é
fundamental para a circulação dos títulos de
crédito. Para que essa confiança exista, é
essencial que o regime para eles traçado
proteja ao máximo os interesses do titular
do direito, do devedor e daqueles que
posteriormente venham a adquiri-los de boa
fé. Todos eles se disporão a aceitar a
emissão e transmissão dos títulos se
puderem ter absoluta confiança em que:
a) O titular do direito é quem tem o título em
seu poder razão pela qual está habilitado a
exercer o direito nele referido;
b) Cada titular poderá transmitir esse título,
para realizar o seu valor, sem necessitar de
esperar pelo cumprimento da obrigação
correspondente ao direito nele mencionado;
c) O teor literal do título correspondente ao
direito que ele representa;
d) A posição jurídica do actual detentor do
título não poderá ser posta em causa pela
invocação de excepções oponíveis aos
anteriores detentores.
O regime jurídico dos títulos de crédito
assenta numa presunção de boa fé dos
sucessivos detentores do título, através da
qual se cimenta e robustece a formação e
manutenção da confiança que constitui a
base da aceitação destes documentos.
Assim, os títulos de crédito caracterizam-se
por:
i) incorporação ou legitimação: a posse ou
titularidade do documento é essencial para o
exercício e transmissão do direito nele
mencionado. Quem detém regularmente o
título tem legitimidade para exercer ou
transmitir o direito (legitimidade activa). Há
igualmente que considerar uma legitimação
passiva, relativa à posição e interesse do
devedor: este pode desonerar-se
validamente da sua obrigação,
correspondente ao direito cartular, se a
cumprir perante o detentor do título segundo
a respectiva lei de circulação.
ii) circulabilidade: os títulos de crédito
destinam-se a circular. A sua destinação
jurídico-económica implica a potencialidade
de serem transmitidos de uma pessoa para a
outra sucessivamente, acarretando cada
transmissão do título a transmissão do
direito por ele representado, do direito
cartular. Os documentos que não comportem
esta característica não podem ser
considerados como títulos de crédito.
iii) literalidade: o conteúdo, a extensão e
modalidade do direito incorporado no
documento vale exclusivamente em
conformidade com o teor do próprio título,
independentemente da forma como foi
constituído, da relação subjacente ao
mesmo. O credor nada mais pode exigir
além do real valor do título uma vez que o
que releva é tão só o que está exarado no
título e não o que foi convencionado.
iv) autonomia: o direito incorporado no
documento é um direito autónomo porque a
relação cambiária tem vida própria, não está
dependente de qualquer relação subjacente
a esse título de crédito. Importa distinguir
dois sentidos:
A presente Informação é prestada de forma geral e abstracta, não tendo em vista a resolução de qualquer problema em
particular, Ela resulta da legislação em vigor em Portugal e do sentido da tomada das decisões por parte dos tribunais. No
entanto, ressalvam-se outros entendimentos ou diferente aplicação da norma jurídica. Esta informação não permite a tomada
de decisão sem assistência profissional qualificada e dirigida ao caso concreto. O conteúdo desta informação pode ser
aproveitado apenas pelo utilizador que a solicitou. Caso deseje obter esclarecimentos adicionais sobre o assunto solicite uma
consulta, na home-page.
Títulos de Crédito
1. autonomia face ao direito subjacente - O
direito cartular tem a sua origem numa
relação jurídica cronologicamente anterior ao
surgimento do título de crédito (relação
subjacente ou fundamental). Porém, ele é
novo, diferente e autónomo do direito
subjacente ou fundamental, tendo um
regime próprio. Por esta razão, não podem
ser opostos ao portador do título, em
princípio, quaisquer excepções emergentes
da relação fundamental (art. 17º Lei
Uniforme das Letras e Livranças).
2. autonomia face aos portadores anteriores
- O direito cartular é autónomo porque cada
possuidor do título ao adquiri-lo segundo a
lei de circulação adquire o direito nele
referido de um modo originário, isto é,
independentemente da titularidade do seu
antecessor e dos possíveis vícios dessa
titularidade, como se o direito tivesse
nascido ex novo.
v) abstracção: esta característica exprime a
possibilidade de o negócio cambiário poder
preencher uma multiplicidade de funções,
não tendo causa própria.
Existem vários critérios para qualificar os
títulos de crédito.
Segundo o critério da causa-função ou do
nexo com a relação subjacente há que
distinguir entre:
a) títulos causais: destinam-se a realizar
uma única função jurídico-económica,
inerente a um determinado tipo de negócio
jurídico subjacente, do qual resultam direitos
cuja transmissão e exercício o título de
crédito se destina a viabilizar.
b) títulos abstractos: não têm uma função
típica uma vez que são aptos a representar
direitos emergentes de uma pluralidade de
causas-funções. Além disso, são
independentes da respectiva causa: em
princípio, o devedor não pode invocar contra
o portador do título excepções fundadas na
relação subjacente, que é a causa (mediata)
da sua obrigação e do correlativo direito do
portador.
De acordo com o critério do conteúdo do
direito cartular, é necessário diferenciar:
a) títulos de crédito propriamente ditos:
incorporam direitos de crédito em sentido
estrito, geralmente direitos a uma prestação
pecuniária (Ex.: letras, cheques e livranças);
b) títulos representativos: incorporam
direitos de propriedade sobre determinadas
coisas, em geral mercadorias (Ex.: guia de
transporte);
c) títulos de participação social: incorporam
uma situação jurídica de participação social,
o complexo de direitos e obrigações que
integra a qualidade de sócio de uma
sociedade (Ex.: acções das sociedades
anónimas).
Quanto ao modo de circulação, podemos ter:
a) títulos ao portador: não identificam o seu
titular e transmitem-se por mera entrega do
documento: o titular é o detentor do
documento (Ex.: bilhetes de lotaria).
b) títulos nominativos: mencionam o nome
do seu titular e a sua circulação exige um
formalismo complexo, do qual é exemplo o
regime da circulação das acções
nominativas: para que a sua transmissão
seja válida é necessário que o transmitente
exare no próprio título a transmissão e que
fique lavrado o nome do novo titular;
c) títulos à ordem: mencionam o nome do
seu titular e transmitem-se por endosso, que
consiste numa declaração escrita, aposta no
verso do título, na qual o devedor manifesta
a vontade de transmitir o direito incorporado
ou ordena ao devedor que cumpra aquela
obrigação para com o transmissário.
O título de crédito, como já foi referido, é um
documento escrito geralmente em papel, o
que o torna facilmente perecível ou
degradável, exposto ao risco de perda ou
extravio, voluntária ou involuntariamente. A
característica da incorporação implica que o
direito cartular só pode ser exercido ou
transmitido mediante a posse material do
título. Ora, se a destruição do documento
implica a destruição do título de crédito, fica
impossibilitado o exercício ou transmissão do
respectivo direito cartular.
Para obviar a estas situações, a lei permite
que os títulos de crédito transmissíveis por
endosso sejam reformados judicialmente a
requerimento do respectivo proprietário,
justificando o seu direito e o facto que
motiva a reforma (artigo 484 Código
Comercial). A reforma consiste na
reconstituição do título, através da emissão
de um novo documento, equivalente ao que
foi destruído ou extraviado, possibilitando
assim a incorporação do direito cartular no
novo título, legitimando-o para o seu
exercício. E isto porque o título reformado
equivale juridicamente ao que desapareceu,
como se fosse o mesmo documento. A
A presente Informação é prestada de forma geral e abstracta, não tendo em vista a resolução de qualquer problema em
particular, Ela resulta da legislação em vigor em Portugal e do sentido da tomada das decisões por parte dos tribunais. No
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consulta, na home-page.
Títulos de Crédito
reforma dos títulos está regulada nos artigos
1069.º a 1071.º do Código de Processo Civil,
quando se trate de títulos destruídos e no
artigo 1072.º do mesmo Código quando se
trate de títulos perdidos ou desaparecidos.
O título de crédito também se pode extinguir
quando se extingue o direito nele
incorporado, por qualquer uma das causas
de extinção das obrigações
(cumprimento/pagamento, prescrição).
De entre os vários tipos de títulos de crédito
existentes e referidos ao longo do texto
destacam-se:
i) cheque: é um documento em que um
sujeito (sacador) dá uma ordem de
pagamento a um banqueiro (sacado) a favor
de si próprio, de outrem ou sem beneficiário
identificado (cheque ao portador) de uma
quantia certa e determinada. O cheque
pressupõe a existência de um contrato de
depósito previamente celebrado entre o
sacador e o sacado, a partir do qual se
constitui um provisão de fundos, bem como
uma convenção entre ambos no sentido de a
mobilização dos fundos ser feita por meio de
cheques (convenção de cheque). O regime
jurídico deste título de crédito encontra-se
regulado na Lei Uniforme relativa ao Cheque.
ii) livrança: é um documento que incorpora
uma promessa de pagamento de um sujeito
(o subscritor) a favor de outro (o tomador)
de uma quantia certa e determinada. A
livrança pode desempenhar uma função
idêntica à da letra, mas é normalmente
utilizada como garantia no contexto de um
contrato de mútuo ou empréstimo bancário.
À livrança aplica-se, em geral, o regime das
letras – é o que resulta do disposto no artigo
77.º da LULL. É de relevar que, na livrança,
o subscritor tem a posição e a obrigação
correspondente à do sacado-aceitante da
letra.
iii) letra: é uma ordem de pagamento
(saque) dada em documento, por
determinada pessoa (sacador) a outra
(sacado), a favor de alguém (tomador, que
pode ser o sacador ou um terceiro), de uma
quantia certa e determinada. A emissão de
uma letra de câmbio está sujeita a um
estrito formalismo, subordinado à Lei
Uniforme das Letras e Livranças (LULL). Tal
formalismo impõe uma análise mais
profunda e detalhada do regime jurídico
deste título de crédito.
Nas transmissões entre vivos, a letra circula
de forma típica através do endosso, salvo se
contiver a menção “não à ordem” ou outra
de sentido equivalente. É, portanto, um
título à ordem. O endosso consiste numa
nova ordem de pagamento ao sacado para
pagar ao beneficiário do endosso (o
endossado) a quantia constante da letra.
Formaliza-se, em princípio, por uma
declaração de transmissão escrita na própria
letra ou no seu anexo, contendo o nome do
sujeito a favor de quem é efectuado e a
assinatura do endossante: este é o chamado
endosso completo, e é feito em qualquer
ponto da letra. Contudo, admite-se que o
endosso seja feito sem o nome do endossado
e o endosso em branco (endosso que
consiste meramente na assinatura do
endossante, que deve ser aposta no verso do
título ou na allongue). O primeiro endossante
deve ser o tomador. Além da transmissão, o
endosso opera uma legitimação, pois é pela
sucessão ininterrupta de endossos, a partir
do primeiro endosso feito pelo tomador, que
o portador é legitimado. Além da
legitimação, o endossante assume, nessa
qualidade e pelo endosso, a posição de
obrigado cambiário.
A letra também pode circular mediante
sucessão por morte, nos termos gerais
desta, e, entre vivos, pela forma e com os
efeitos da cessão ordinária de créditos, caso
contenha a cláusula “não à ordem”.
O aceitante é o obrigado principal da letra
mas não é o único nem o primeiro. O
sacador, ao dar a ordem, assume também
uma obrigação perante o tomador e os
futuros portadores da letra: garante-lhe que
o sacado aceitará e que, tendo aceite,
pagará. Caso assim não seja, ele próprio
pagará a letra. Acresce que, e como cada
endosso é uma nova ordem ao sacado, cada
endossante assume também uma obrigação
de garantia perante o seu endossado e os
endossados (portadores) seguintes. Note-se,
porém, que cada endossante se obriga
apenas para o futuro, perante aqueles que
vierem depois de si e do seu endosso na
cadeia de transmissões – contudo, o
endossante pode obstar a este efeito
mediante cláusula em contrário, ou a partir
do seu endossado se apuser à letra a
proibição de endosso.
Pode, além do obrigado principal e destes
obrigados de garantia, existir um outro: o
A presente Informação é prestada de forma geral e abstracta, não tendo em vista a resolução de qualquer problema em
particular, Ela resulta da legislação em vigor em Portugal e do sentido da tomada das decisões por parte dos tribunais. No
entanto, ressalvam-se outros entendimentos ou diferente aplicação da norma jurídica. Esta informação não permite a tomada
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Títulos de Crédito
avalista. O aval consiste numa declaração
pela qual um sujeito, já obrigado cambiário
ou não, garante o pagamento por um
obrigado cambiário. A obrigação assumida
pelo avalista tem a mesma extensão e
conteúdo da obrigação do avalizado, não
gozando do benefício de excussão prévia −
não há responsabilidade subsidiária. O
avalista que pague fica com o direito de
obter o pagamento do avalizado e também
daqueles contra os quais o avalizado poderia
obter o pagamento se tivesse sido ele a
pagar. O aval mantém-se ainda que a
obrigação garantida seja nula (salvo se a
nulidade for por vício de forma) e figura
normalmente com a expressão “bom para
aval” com a assinatura do avalista.
A ordem de pagamento que está inscrita
numa letra de câmbio surge marcada por
uma dilação de vencimento sobre a data da
sua emissão. A lei estatui que as letras com
vencimentos diferentes ou com vencimentos
sucessivos são nulas (art. 33º LULL). As
letras são pagáveis à vista, vencendo-se
mediante a simples apresentação ao sacado,
o que deverá ser feito no prazo de um ano a
contar da data de vencimento, podendo o
sacador aumentar ou reduzir esse prazo e os
endossantes encurtá-lo (art. 34º LULL).
Também pode o sacador estabelecer que a
letra não seja apresentada antes de certa
data, contando-se então o prazo a partir
desta (art. 34º LULL).
Na letra a certo termo de vista, o prazo de
vencimento conta-se a partir da data do
aceite ou da data do protesto por falta de
aceite. Na falta de protesto, o aceite não
datado entende-se, no que toca ao
aceitante, como tendo sido feito no último
dia do prazo para a apresentação do aceite
(art. 35º LULL).
Quanto às letras pagáveis em dia fixo ou a
certo termo de data ou de vista, deverão ser
apresentadas a pagamento na data do
vencimento ou num dos dois dias úteis
seguintes (art. 38º LULL).
Ao longo do texto, temos vindo a fazer
referência ao protesto. Ora, este consiste
num acto jurídico declarativo, não negocial,
praticado perante um notário, destinado a
comprovar e a dar conhecimento aos
intervenientes na cadeia cambiária da falta
do aceite (protesto por falta de aceite) ou do
pagamento (protesto por falta de
pagamento), salvaguardando a integridade
do direito do portador (art. 44º LULL).
O art. 70.º da LULL fixa determinados prazos
para propor acções, diferentes consoante as
posições dos sujeitos cambiários, findos os
quais o direito cartular prescreve:
a) contra o aceitante, três anos a contar da
data do vencimento;
b) do portador contra o sacador e os
endossantes, de um ano a contar da data do
protesto, ou do vencimento quando exista
uma cláusula “sem protesto”.
c) dos endossantes contra os outros e contra
o sacado, de seis meses a contar da data em
que o endossante pagou a letra ou foi ele
próprio accionado.
Cumpre, por fim, salientar que todos os
subscritores de uma letra são solidariamente
responsáveis pelo pagamento dela perante o
portador. Assim, não tendo o aceitante pago
a letra no vencimento, o portador pode
demandar um qualquer, alguns ou todos os
obrigados cambiários, tendo cada um que
pagar a totalidade da letra. O mesmo
acontece no caso de falta de aceite. E não
existe qualquer subsidariedade ou excussão
prévia, ou seja, o portador não tem que
demanda primeiro o aceitante e só
posteriormente, se não conseguir o
pagamento, ir contra os outros obrigados.
Na mesma posição fica aquele obrigado que
pagar ao portador. Contudo, o obrigado que
pagar, se não for o aceitante, terá direito de
regresso contra todos os que, perante si,
eram obrigados cambiários.
Por todo o exposto, forçoso é concluir que os
títulos de crédito se caracterizam pela
especial relação que existe entre um direito
e um documento, representando uma
obrigação de entrega futura de dinheiro,
bens ou serviços, e transmitindo-se
facilmente, passando a qualidade de credor
de uma para outra pessoa.

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