segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Conceito de empresa e o 230º do C.Comercial

Conceito de empresa e o 230º do C.Comercial





I Conceito de empresa





1) Interessa partir de um sentido meta-jurídico (CA)?



Alguns autores procuram descobrir a pré-jurídica “natureza da coisa” EMPRESA e aplicá-la: mas este método ontológico deve ser rejeitado pois ainda que fosse possível A definição pré-jurídica de empresa existir, a mesma não iria influenciar a concepção jurídica do termo: ademais, o direito “não é mero reflexo especular das realidades extra-jurídicas. (De facto, as próprias expressões jurídicas não coincidem sempre com as expressões correntes, económicas ou sociológicas.



=» NÃO! É preferível cingir-se à categoria jurídica para se encontrar um conceito de empresa COMERCIAL (CA refere que a empresa deve ser definida à luz do direito atendendo à lei mas também à jurisprudência, doutrina, costumes, etc), que a faça distinguir das não comerciais e que distinga as empresas consoante os respectivos sujeitos (públicas, privadas, cooperativas, empresas de pessoas singulares, sociedades, associações, etc).



No entanto, a empresa existe não só no mundo do Direito. Deve pois recorrer-se a domínios extra-jurídicos quando não houver definições legais.



CA categoriza algumas noções metajurídicas de empresa:

económicas (Marshall, séc XIX, um dos primeiros a fazê-lo: “empresa é entendida lato sensu, para satisfazer necessidades de outros, feita na expectativa de um pagammento directo ou indirecto daqueles que dela beneficiem”, mas há muitas versões;
sociológicas e outras: existem inúmeros outros conceitos.






2) Semelhanças e diferenças entre empresa e estabelecimento



Pode empregar-se “empresa” e “estabelecimento” enquanto sinónimos?

Costumava admitir-se mas, recentemente, vigora a posição contrária (OA, Ferrer Correia e Pereira de Almeida, a título de exemplo).



No entanto, CA defende que é legítima a utilização dos dois termos enquanto sinónimos. Existem muitos pontos de contacto e CA dá alguns exemplos em que os dois termos são utilizados na legislação portuguesa com o mesmo sentido.



Empresa vem sendo empregue muitas vezes para significar sujeito (ex: CRP art 38º,4 trata de “empresas titulares de órgãos de informação geral”), mas estabelecimento pode significar o mesmo (ex: CCom, art. 364º, fala na “criação de estabelecimentos bancários).

Já o estabelecimento costuma ser mais associado a algo objectivo (um instrumento ou estrutura produtiva de um sujeito, e objecto de relações jurídicas) mas empresa também pode significar o mesmo. (ex. P.203).

Por outro lado, há leis onde os dois termos aparecem empareceirados (ex: DL 430/73 de 25 de Agosto, art 11º “transmissão da parte de cada agrupado só pode verificar-se juntamente com a transmissão do respectivo estabelecimento ou empresa”).



3) As duas principais acepções de empresa



Tal como OA, CA considera existirem duas acepções principais de empresa:



em sentido subjectivo: empresas como sujeitos jurídicos que exercem uma actividade económica.


Aparecem aqui como sujeitos de direitos e deveres. É por isso que esta concepção assume particular relevância no domínio do direito comunitário da concorrência (de facto, as empresas que exercem a mesma actividade têm a possibilidade de cooperarem entre si, restringindo a concorrência).



Note-se que é de entendimento pacífico que tal actividade não tem de ser dirigida à obtenção de lucro. Nem tem de ser suportada por uma organização de meios, de trabalho ou de outros factores produtivos (por exemplo são considerados como empresas inventores que comercializem as suas invenções, artistas que explorem as prestações artísticas ou profissões liberais.



Daí ser infeliz a tentativa de definição no Regime Jurídico da Concorrência (L 18/2003, de 11 de Junho), que diz no seu art. 2º “Considera-se empresa qualquer entidade que exerça uma actividade económica que consista na oferta de vens ou serviços num determinado mercado, independentemente do seu estatuto jurídico e do modo de funcionamento” – C.A. considera ter havido uma tradução com gralha e concorda com o TJ que tem decidido que se queria referir ao modo de financiamento. Por exemplo, há um acórdão em que o TJ entendeu ser empresa um serviço público de emprego que presta gratuitamente os seus serviços (Ac. De 23/4/1991)





em sentido objectivo: empresas como instrumentos ou estruturas produtivo-económicos objectos de direitos e negócios
São comerciais as empresas através das quais são exercidas actividades de interposição nas trocas _ maxime, compras de coisas para revenda (463º CCom), actividades industrial-transformadoras (230º/1) ou seja “são comerciais as empresas cujo objecto se traduza na realização de actos (ou actividades) objectivamente mercantis.



4) Conceito geral de empresa:



Como verificámos, não é possível estabelecer um conceito genérico de empresa. No entanto, CA arrisca adiantar um conceito geral de empresa em sentido objectivo (compreendendo empresas comerciais e não comerciais, de pessoas ou grupos de pessoas singulares e de pessoas colectivas públicas, privadas, etc): “é a unidade jurídica fundada em organização de meios que constitui um instrumento de exercício relativamente estável e autónomo de uma actividade de produção para a troca”.



Unidade jurídica:
Organização de meios:
Relatimavente estável:
Relativamente autónomo:
Troca: bens não destinados a auto-consumo
NOTA: não foi apresentada qualquer menção ao escopo luctrativo: embora as empresas sejam normalmente instrumentos para a prossecução do lucro, não é este um elemento essencial (ex: as empresas cooperativas, as ACE e os AEIE não têm fins lucrativos e, quando há lucro, o mesmo não é repartível pelos associados)


5) Algumas notas de Oliveira Ascenção acerca da “empresa”



Direito comercial tem vindo a redefinir-se em torno do conceito de “empresa”; trata-se de um regresso ao subjectivismo “centrado já não tanto na pessoa do comerciante mas sim na organização por ele erigida”. No entanto, a evolução não está concluída e ainda não se pode falar num conceito de empresa totalmente adquirido para o Direito.



O C.Comercial acolhe em 1888 um conceito de empresa que na altura se consideravam as actividades produtivas (como a indústria e os serviços), baseadas na especulação sobre o trabalho (por oposição ao comércio, que era considerado uma actividade de especulação sobre o risco).

Era, assim, uma noção restritiva: não abrangia as organizações produtivas dedicadas ao comércio stricto sensu (por isso o 230º não elenca como empresas comerciais as dos comerciantes que se dedicam à actividade tradicional (e, por excelência, comercial) da intermediação nas trocas.



Com a revolução industrial, empresários industriais e prestadores de serviços vão sendo assimilados a comerciante =» todos estes comerciantes – lato sensu – passam a ser equiparados a empresárias (e as suas organizações designadas como empresas).



Ou seja, o termo empresário passa a abranger todo o produtor (substituindo o comerciante, outrora concebido como especulador).



Hoje, o direito “vai assimilando como noção básica de empresa a de unidade económica de produção”.











II Interpretação do art 230º do Ccom





1) Definição de “empresa”



Como foi referido, há duas visões dominantes relativamente às empresas comerciais:

enquanto empresários/comerciantes (concepção subjectiva), que MC designa de empresa-organização: são empresas as entidades singulares ou colectivas que desenvolvam as referenciadas actividades). Posição de Barbosa de Magalhães, José Tavares ou Cunha Gonçalves
enquanto séries ou complexos de actos comerciais (conceito objectivo). MC designa esta linha de interpretação a empresa-actividade: são as actuações ou conjuntos de actos enunciados no art.230º que estão em causa. E é esta a posição de CA, Guilherme Moreira.
(PS: ao, e Pupo Correia têm uma opinião conciliadora. Mas que não resolve a problemática que se segue)


A relevância prática em torno desta querela (acerca da concepção de empresa) é sabermos se estão em causa, neste artigo, actos subjectiva ou objectivamente comerciais.



à luz da empresa-organização: são referenciados comerciantes e autores de hipotéticos actos comerciais que tenham praticado as actividades elencadas (concepção subjectiva)


à luz da empresa-actividade: enunciam-se neste 230º novos actos como objectivamente comerciais


Pela concepção subjectiva, qualquer pessoa que praticasse alguma das actividades elencadas seria considerada comerciante. Resta pois saber se não é mais adequada a visão objectiva.



E, para o efeito, devemos atentar no argumento histórico de MC em prol da concepção objectiva. Diz ele que quem vê na empresa do 230º um empresário é erroneamente sugestionado pela terminologia utilizada (“singulares ou colectivas”): ora, não existia o termo PC em 1888 (só surge em 1907) pelo que quando se fala em colectivo, está-se a referir a um conjunto de pessoas, e nada mais.

Mais ainda, o termo “empresa”, na altura, significava “actividade ou empreendimento”.



Desta forma, optámos pela concepção objectiva, que apenas classifica as referidas actividades como comerciais (ou seja, para saber se o autor é ou não comerciante, há que decidir é com base no art. 13º), e esta concepção objectiva define empresas como instrumentos ou estruturas produtivo-económicos que sejam por sua vez objectos de direitos e negócios, ou seja como uma actividade de um estabelecimento comercial (sendo que actividade _ logo a empresa_ , para CA, MC e OA, são actos (objectivos) de comércio em série).





E, ainda que não seja possível estabelecer um conceito genérico de empresa, CA arrisca adiantar um conceito geral de empresa em sentido objectivo/ ou estabelecimento mercantil (compreendendo empresas comerciais e não comerciais, de pessoas ou grupos de pessoas singulares e de pessoas colectivas públicas, privadas, etc): “é a unidade jurídica fundada em organização de meios que constitui um instrumento de exercício relativamente estável e autónomo de uma actividade de produção para a troca”.



Unidade jurídica: CA cita o exemplo de um trespasse de estabelecimento comercial (ou empresa), que, segundo o art 1112º, nº2 não se pode realizar “quando a transmissão não seja acompanhada, em conjunto, das instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integram o estabelecimento”
Organização de meios: os bens do estabelecimento (os seus factores produtivos) não são meramente somados, têm articulação entre si, estão inter-relacionados, com vista a um fim económico-produtivo.
Relativamente estável: significa que se exclui a actividade produtiva que seja meramente ocasional, esporádica: pressupõe uma actividade duradoura
Relativamente autónomo: no plano decisório e no plano financeiro
Troca: é, segundo Teixeira Ribeiro, uma “operação com a qual se cedem coisas para obter outras”, ou seja, são bens não destinados a auto-consumo (ou a doações)
NOTA: não foi apresentada qualquer menção ao escopo luctrativo: embora as empresas sejam normalmente instrumentos para a prossecução do lucro, não é este um elemento essencial (ex: as empresas cooperativas, as ACE e os AEIE não têm fins lucrativos e, quando há lucro, o mesmo não é repartível pelos associados).


A lista do 230º é taxativa ou exemplificativa? Isto é, admite analogia?


Querela doutrinária a propósito do art. 2º acerca da admissibilidade de actos mercantis por analogia.



[Analogia legis: aplicação da norma a um caso semelhante VS Analogia juris: disciplina casos omissos através da aplicação de “princípios gerais” induzidos de uma série de normas gerais]



CA admite a analogia e nós concordamos, até porque constantemente surgem actividades novas que não estão expressamente previstas em lei.



Pegando especificamente neste art.230º:



nº1: refere-se à indústria transformadora (todo o sector secundário).

Controvérsia: inclui-se as indústrias extractivas? (exploração dos recursos geológicos: minerais, hidrocarbonetos, geotérmicos ou águas nascentes)

Não para Coutinho de Abreu (para quem não há lacuna); Sim para OA!



nº2: contratos de fornecimento:

Por um lado, enquadram-se aqui analogicamente uma série de empresas de fornecimento de serviços (empresas hoteleiras, de publicidade, de gestão de bens, de reparação de automóveis, de informações comerciais, de tratamentos de beleza, lavandarias, etc). De facto, considera-se que devam ser abrangidas por este número todas as empresas que, não sendo de fornecimento de géneros (mas antes de bens imateriais ou de serviços) se traduzam no desenvolvimento de uma actividade económica que tenham um certo risco associado ao facto de interceder sempre um período de tempo entre o momento da fixação do preço e o dos actos subsequentes de fornecimento.

Por outro lado, deve existir aqui uma interpretação extensiva e considerar como comerciais as empresas fornecedoras de água, gás ou electricidade? Sim para CA.



nº3: agência. Sublinha-se a ideia de organização (escritório aberto ao público( e de profissionalidade (mediante salário estipulado)

nº6: empreitada e empresas de construção.

Só se fala em empresas de construção de “casas” mas parece óbvio que se deva extender às outras empresas construtoras de edifícios, bem como, inclusive de outras obras (como vias de comunicação ou barragens) – CA



nº7: inclui-se o transporte aéreo!



3) Empresas não comerciais



empresas agrícolas (parágrafo 1): não o são quando, embora tenham autonomia técnico-produtiva, se destina exclusivamente à transformação de produtos de terras, transformação essa subordinada à produção principal (empresa será só a empresa agrícola principal)


=» Quais as empresas agrícolas? As que se poderem enquadrar na definição de empresa comercial (ver abaixo).



Artesãos (2a parte do parágrafo 1 (produtor qualificado que, podendo servir-se de máquinas, utiliza sobretudo o seu trabalho manual e ferramentas (como instrumentos)): de facto, não há uma produção em série, estandardizada; não há um predomínio das máquinas sobre o labor dos trabalhadores.
Note-se: diz o parágrafo que não se consideram empresas comerciais (poderão obviamente ser empresas em sentido amplo).



Profissões liberais (exercício habitual e autónomo de actividades primordialmente intelectuais _ ex: advogados, médicos, engenheiros, arquitectos, economistas, ROC's (revisores oficiais de contas)): em regra, os escritórios, consultórios e estúdioas não o são (mas podem sê-lo, desde que haja a “despersonalização” da actividade laboral)








4) Em resumo: Quais são então as empresas que podem ser consideradas comerciais?



São comerciais as empresas através das quais são exercidas actividades de interposição nas trocas _ maxime, compras de coisas para revenda (463º CCom), actividades industrial-transformadoras (230º/1), actividades industrial-transformadoras (230/1), actividades de serviços (agenciamento de negócios nº3, exploração de espectáculos públicos nº4, operações de banco 362º, seguros 425º), etc, ou seja “são comerciais as empresas cujo objecto se traduza na realização de actos (ou actividades) objectivamente mercantis”.





5) O e.i.r.l., estabelecimento comercial especial



Normalmente, os bens de um estabelecimento comercial pertencente a uma pessoa singular respondem quer pelas dívidas contraídas na exploraço desse estabelecimento quer por quaisquer outras do respectivo titular.



Para não ter de ser assim, criou-se esta figura: o e.i.r.l. é um património autónomo ou separado (do restante património do comerciante individual): os bens afectados ao estabelecimento apenas respondem por dívidas contraídas na actividade comercial desenvolvida; por outro lado, por estas dívidas respondem somente aqueles bens.



Para C.A., deve ser considerado como verdadeiro estabelecimento comercial.







Bibliografia:

- Manual de Direito Comercial (António Menezes Cordeiro)

- Curso de Direito Comercial (Jorge Manuel Coutinho de Abreu)

- Direito Comercial (José de Oliveira Ascensão)

- Direito Comercial (Miguel Pupo Correia)



Trabalho realizado por:

João Carlos Gonçalves (sub-turma 2), nº16431

[em complemento ao trabalho do colega Inácio Salgado, nº 6038]

1 comentário:

  1. Em minha concepção esta ótimo, porem a muitas abreviação, como: CA, MC, OA, isso dificulta visualizar o sentido deles no texto em sí.

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