terça-feira, 24 de novembro de 2009

CONTRATO DE AGÊNCIA

CONTRATO DE AGÊNCIA

O direito privado tem sido desde as suas origens romanísticas confrontado com a acelerada evolução económico-social, motivo pelo qual tem havido uma adaptação jurídica contínua.
Essa adaptação, alicerçada pela liberdade contratual para as partes estabelecerem contratos atípicos tendentes às relações comerciais/contratuais necessárias a cada momento.
O contrato de agencia/representação comercial, outrora atípico, com a ainda recente integração de Portugal na Comunidade Europeia, impulsionou a poder legigerante do legislador quanto à definição dos termos do contrato de agencia.
Como breve resenha histórica do seu surgimento, o contrato de agência tem na sua base a necessidade de sedimentação dos mercados já existentes assim como a procura de novos mercados, muitas vezes distantes da zona de produção, inicialmente através de um Contrato de Comissão.

Directriz 86/653/CEE
1) O contrato de agência tomado, para mais, como matriz dos diversos contratos de distribuição, tem um papel importante nas relações comerciais internacionais.
2) À luz destas considerações, compreende-se que as instâncias europeias tenham procurado uma certa uniformização dos regimes da agência. Assim, surgiu a presente directriz oriunda do Conselho, relativa à coordenação do Direito dos Estados-Membros sobre os agentes comerciais. Trata-se da única directriz sobre matéria comercial nuclear.
Esta directriz tem um cuidado especial em subordinar as partes à Lealdade e à Boa fé, cfr os artigos 3º/1 e 4º/1.

O contrato de agência, de todos os contratos de distribuição, é o único que o legislador definiu as bases essenciais do seu regime.
É regulado pelo DL 178/86, de 3 de Julho, com as alterações introduzidas pelo DL 118/93, de 13 de Abril, devido às alterações impostas pela Directiva do Conselho 86/653/CEE, de 18 de Dezembro de 1986, que procurou uma certa uniformização dos regimes nacionais do contrato de agência.

A noção de agência vem referida no art. 1 do DL 178/86, versando ser o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta de outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável e mediante retribuição, podendo-lhe ser atribuídas certas zonas ou determinado círculo de clientes.
A agência será pois uma prestação de serviços, mais particularmente uma modalidade de mandato, tratando-se de um contrato oneroso.

Possui, como referido, como principais características autonomia, estabilidade, pagamento de uma retribuição e a assunção, pelo agente, de uma obrigação de promover a celebração de contratos por conta e no interesse da outra parte.

É uma actividade material e não jurídica, na qual o agente deve procurar clientes e fazer publicidade aos bens ou serviços do principal, apresentando as condições de venda e pagamento.

As características de autonomia e estabilidade são as que permitem distinguir o contrato de agência do contrato de trabalho. O agente tem autonomia, actuação e vinculação estrita ao principal, é ele que determina os clientes que vai visitar, a que horas, com que meio, sendo geralmente ele que assume as despesas relacionadas com a sua actividade.

Relativamente à diferença entre agentes e mediadores, esta prende-se com o facto de o mediador destinar-se a aproximar as partes no potencial contrato de uma forma esporádica, enquanto que o agente procura aproximar as partes de uma forma tendencialmente continuada.

Como atrás mencionado, o contrato de agência parece não estar, à partida, sujeito a qualquer forma. Contudo o art. 1º n.º 2 do DL 178/86, atribui o direito a qualquer das partes de exigir da outra um documento assinado com o conteúdo do contrato, visando-se a protecção do agente, que desta forma nunca se verá confrontado com a nulidade do contrato por falta de forma.

Existem porém, diversas cláusulas que devem necessariamente assumir a forma escrita:
- A que confira ao agente poderes de representação – art. 2º n. 1;
- A que lhe permita cobrar créditos – art. 3º n.º 1;
- A que lhe estabeleça uma proibição de concorrência pós eficaz – art. 9º;
- A concessão exclusiva ao agente do direito de exercício de actividade numa determinada zona ou círculo de clientes – art. 4º;
- A convenção del credere – art.º 9 – na qual o agente garante o cumprimento das obrigações de terceiro, desde que respeitante a contrato por si negociado ou concluído;
- A cessação por mútuo acordo – art. 25º;
- A declaração de resolução – art. 31º.

Geralmente, os contratos de agência assumem a forma escrita, sendo frequente que derivem da simples adesão a cláusulas contratuais gerais.
Como referido, a agência pode ser celebrada com ou sem representação – art. 2º n.º 1. Se existir, presume-se que o agente está autorizado a cobrar os créditos do principal – art. 3º n.º 2, o que de outra maneira exigiria autorização escrita.

As cobranças não autorizadas são reguladas pelo artigo 770º do Código Civil, nas quais:
- ou o agente contrato em nome próprio devendo depois retransmitir para o principal a posição adquirida;
- ou é celebrado, pelo cuidado do agente, directamente entre o principal e o terceiro.

A agência pode ser celebrada com vista à celebração de contratos num círculo pré-determinado, seja circunscrição geográfica ou delimitação pessoal, ou ambos.

Num paralelo com o disposto para o mandato – art. 1165.º Cód. Civil - o agente pode recorrer a auxiliares e substitutos, designadamente sub-agentes, aplicando-se a estes, com as necessárias adaptações, as normas aplicadas ao agente.

DIREITOS E OBRIGAÇÕES DAS PARTES

O agente, na celebração de contratos, deve proceder de boa fé, zelando pelo interesse do principal e desenvolver as actividades adequadas à realização plena do fim contratual. Estando obrigado a respeitar as clausulas previstas nos art. 7º a 11º, nos quais, numa enumeração meramente exemplificativa, temos o dever:

- Respeitar as instruções da outra parte que não ponham em causa a sua autonomia;
- Prestar as informações pedidas e necessárias, esclarecendo ainda o principal sobre a situação do mercado e suas perspectivas;
- Prestar contas;
- Dever de segredo, mesmo após a cessação do contrato;
- Obrigação de não concorrência pós-eficaz, se for acordado por escrito, não podendo, no entanto, ultrapassar o período de 2 anos;
- Dever de avisar de imediato o principal de qualquer impossibilidade sua de cumprir o contrato.

Quanto a direitos, o agente desfruta da enumeração prevista nos art. 12º a 20º, assim cabem-lhe:

- Direito de receber do principal os elementos necessários ao exercício da sua actividade (concretização do art. 1167 a) do CC);
- O direito de receber sem demora a informação da aceitação ou recusa dos contratos concluídos sem poderes;
- O direito de receber periodicamente a relação dos contratos celebrados e das comissões devidas;
- Uma compensação pela obrigação de não concorrência, após a cessação do contrato.

Quanto à remuneração, a lei específica o pagamento de uma retribuição nos termos acordados pelas partes ou, na falta deste, pelos usos e pela equidade, não existindo nenhum obstáculo em que a retribuição consista simplesmente em comissões pelos contratos celebrados.

O agente adquire o direito à comissão quando ocorra uma de duas circunstâncias:
- ou o principal cumpra ou deva ter cumprido o contrato ou o terceiro o haja cumprido.

Tendo o principal executado a sua obrigação e tendo o terceiro cumprido o contrato ou devesse fazê-lo, o agente adquire o direito à comissão, mesmo que existam cláusulas em contrário.
A comissão deve ser paga até ao último dia do mês seguinte ao trimestre em que o direito tiver sido adquirido.

Havendo convenção del credere, o agente pode exigir as comissões devidas, uma vez celebrado o contrato, dado ele garantir o cumprimento pelo terceiro.

Se o contrato não for cumprido por causa imputável ao principal, mantém-se o direito à comissão por parte do agente.

Além das retribuições e das comissões, acima referidas, o agente tem ainda o direito a uma comissão especial pelo encargo de cobranças ou pela convenção del credere – art. 269.º, 2º parágrafo do Cod. Comercial.

O agente deve ainda ser avisado de qualquer diminuição da actividade do principal.


PROTECÇÃO DE TERCEIROS

O contrato de agência visa celebrar negócios entre o principal e terceiros. Dado o especial interesse que o principal retira da actuação dos agentes e visto o valor geral que a confiança nos negócios representa, dentro da sociedade, a lei estabeleceu diversos mecanismos para a protecção de terceiros, presentes nos art. 21º a 23º do DL 178/86.
Art. 21º - Dever de informação
Seguindo o princípio geral da Liberdade de Forma, o contrato
de agencia, fica sujeito a registo na exacta medida da vontade
das partes. A razão de ser deste instituto, reside
na maior ameaça ao consumidor, neste tipo de negócios jurídicos,
que é a celebração de contratos sem que o agente tenha
poderes para tal. Assim a norma protege o consumidor, obrigando o agente a fazer transparecer o conteúdo da relação interna que o liga ao principal. No fundo trata-se de assegurar os direitos do consumidor.

Art. 22º - Representação sem poderes
Este instituto vem-se debruçar sobre o valor do silêncio enquanto declaração negocial. Requer que um negócio jurídico celebrado através de representação sem poderes, seja ratificado pelo principal, sob pena de ser sobre este considerado ineficaz.
Impõe ao principal o ónus de comunicar ao terceiro a sua intenção de não ratificar o negócio, pois caso não o faça e o terceiro tenha actuado de boa fé, tem-se por ratificado o negócio jurídico., nos termos do art. 218º do código civil.

Art. 23º - Representação Aparente
Versa sobre um problema geral de direito, que se resume ao facto do terceiro negociar com um agente, que negoceia e actua como se tivesse poderes para tal, sendo facto que não os tinha, sem que esse conhecimento seja imputável ao terceiro. È ao nível do direito privado civilista que nos aparece a solução, cfr. artigos 268º/1 e 770º do Código Civil por remissão do art. 22º/1 e art. 3º/3 do Decreto-Lei 178/86.
Não obstante de soluções específicas, num sentido mais lato e abrangente, o legislador introduziu uma cláusula que visa tutelar a boa fé dos terceiros, que para ser plenamente eficaz requer requisitos objectivos e subjectivos.

Desde logo, o agente deve informar quais os poderes que possui, através de letreiros afixados nos locais de trabalho e em todos os documentos em que se identifica como agente de outrem, devendo sempre constar se tem ou não poderes representativos e se pode ou não efectuar cobrança de créditos.

Quando não tenha poderes de representação, o agente contrata em nome próprio, funcionando as regras do mandato sem representação ou proporciona uma contratação directa entre o principal e o terceiro.

Se porém contratar em nome próprio, caímos na representação com poderes, prevista no art. 268º n.º 1 do CC, conforme previsão do art. 22º n.º 1 do DL 178/86.

Porém, o negócio considera-se ratificado se o principal, tendo conhecimento da sua celebração e do seu conteúdo e estando o terceiro de boa fé, não lhe manifestar no prazo de 5 dias após o seu conhecimento, a sua oposição.

O art. 23º estabelece por fim uma hipótese muito particular de representação aparente, havendo representação sem poderes e o agente contratar em nome do principal, acreditando o terceiro de boa fé na existência deles, desde que essa confiança seja objectivamente justificada devido a contribuição do principal nesse sentido, o negócio é eficaz, é a hipótese do agente, com conhecimento e sem reacção do principal, se proclamar publicamente seu representante. Este dispositivo é aplicável à cobrança de créditos para agente não autorizado.


CESSAÇÃO DO CONTRATO DE AGÊNCIA

A cessação do contrato de agência encontra-se regulada nos art. 24º a 36º, existindo quatro formas de cessação: por acordo das partes, por caducidade, denúncia ou resolução.

O mútuo acordo corresponde ao acordo pelo qual as partes decidem por termo à relação contratual, devendo constar de documento escrito.

A caducidade tem a ver com a existência de um facto extintivo, o art. 26º, refere como extintivos o termo do prazo, a condição, a morte ou extinção do agente tratando-se este de pessoa colectiva.

Se as partes não tiverem convencionado prazo, o contrato presume-se celebrado por tempo indeterminado, assim como acontece com aquele em que se tenha convencionado prazo mas continue a ser executado pelas partes para além deste.

A denúncia é o acto unilateral, discricionário que se destina a fazer cessar um contrato de duração indeterminada, conforme consta do art. 28º.

Deve ser comunicada à outra parte com determinada antecedência, sendo os prazos crescentes em consonância com a duração do contrato. Assim:
- Se o contrato durar há menos de 1 ano – aviso prévio de 1 mês
- Se já tiver iniciado o segundo ano de vigência - 2 meses
- Nos restantes casos – 3 meses

O termo do prazo deve, salvo convenção em contrário, coincidir com o último dia do mês.

As partes podem ainda fixar prazos de pré-aviso mais longos, contudo o prazo a observar terá de ser igual para ambas as partes.

A denúncia sem pré-aviso é eficaz, mas obriga o denunciante a indemnizar a outra parte pelos danos causados, conforme consta do art. 29º n.º 1.

Contudo, dadas as dificuldades de prova com que o agente se poderá deparar, ou porque a indemnização poderá não ser significativa, o n.º 2, oferece ao agente, em alternativa, a possibilidade de exigir uma quantia calculada com base na remuneração média mensal auferida no decurso do contrato.

Quanto à resolução, esta implica um acto recipiendo, assente em determinada justificação que faça cessar imediatamente o contrato de agência, tenha ele ou não prazo.

O art. 30º do DL 178/86 especifica as hipóteses de resolução, uma subjectiva e outra objectiva. Assim, a resolução pode concretizar-se:

- se uma parte faltar ao cumprimento das suas obrigações, previstas nos art. 6º e seguintes para o agente e 12º e seguinte para o principal, quando, pela sua gravidade ou reiteração, não seja exigível a subsistência do vinculo contratual. Temos aqui a hipótese de incumprimento culposo, que por ter a ver com o sujeito diz-se subjectiva.

Ou então,

- se ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual, em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado ou imposto em caso de denúncia. Temos neste caso um fundamento objectivo, baseado em circunstâncias respeitantes ao próprio contraente ou à contraparte que decide resolver o contrato (ex: perda de mercado dos bens ou serviços que constituem objecto da agência, por razões alheias ao respeito, por qualquer das partes, das respectivas obrigações).

Trata-se, em suma, de uma situação de justa causa, não por força de qualquer violação dos deveres contratuais, mas por força de circunstâncias não imputáveis a qualquer das partes, que impossibilitem ou comprometam gravemente a realização do fim visado.


A resolução deve ser comunicada por escrito, com indicação das razões e no prazo de um mês após o seu conhecimento, ultrapassado esse prazo caduca o direito à resolução, restando a denúncia para cessar o contrato.

Independentemente do direito à resolução, qualquer das partes, tem o direito de ser indemnizada pelos danos resultantes do incumprimento da outra parte, conforme previsto no art. 32º

Sem prejuízo de qualquer outra indemnização a que haja lugar, nos termos anteriormente expostos, o agente pode ter o direito, após a cessação do contrato, a uma indemnização de clientela, com o intuito de o compensar pelo enriquecimento que proporcionou à outra parte com a angariação de novos clientes que se manterão após o termo do contrato de agência.

Este é o sentido da indemnização prevista no art. 33º do DL 178/86, exigindo para tal cumulativamente:

a) Que o agente tenha angariado novos clientes para o principal ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente;

b) O principal venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente;

c) O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes angariados ou cujos negócios tenham sido aumentados.

A indemnização de clientela pode ser exigida pelos herdeiros, não sendo devida se o contrato tiver cessado por razões imputáveis ao agente ou se tiver cedido por acordo com outra parte, a sua posição contratual a terceiro.

A intenção de exercer o direito de clientela deve ser comunicada ao principal no prazo de um ano a contar da cessação do contrato, devendo a acção judicial ser proposta dentro do ano subsequente a esta comunicação.

A indemnização será calculada nos termos previstos no art. 34º, ou seja, a partir da média anual das remunerações recebidas pelo agente durante a duração do contrato.

No termo do contrato, cada contraente deve restituir os objectos, valores e demais elementos que pertençam ao outro, gozando o agente do direito de retenção sobre eles, pelos créditos da sua actividade.

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